Tiro de Grupo Hitotsu-Mato Artigo de: Luis Paixão Publicado em: 2015-05-27 - Por ocasião do 20 aniversário do Centro de Arte Orientais, 12 de Abril de 2015
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Na recente comemoração dos 20 anos do Centro de Artes Orientais, onde mais uma vez os praticantes da Arte Japonesa do Tiro com Arco foram honrados com o convite para estarem presentes, tendo sido recebidos, como sempre, com a afabilidade e alegria que é a marca e a forma de estar e receber do José Patrão, ocorreram-me algumas palavras a propósito. Aflora, com nitidez, na nossa memória sentida, minha e do Roque Oliveira, esse momento único, vivido a três com o nosso estimado mestre Sensei Yokokodji no parque Natural da Costa da Caparica por ocasião da inauguração do CAO também e nessa altura a convite do José Patrão fazem agora aproximadamente 20 anos. A prática do Kyudo tinha começado á pouco tempo em Portugal e á falta de melhor, tínhamos mandado fazer na carpintaria do meu pai uns quantos estrados individuais de boa madeira de pinho nacional, dos quais 5 ainda se podem ver colocados no chão do dojo da nossa associação na Faúlha – Sesimbra. Para a realização deste evento, sobre a irregularidade da areia das dunas, a mobilidade dos estrados veio nessa ocasião mesmo a propósito tendo mestre Yokokodji sugerido que treinássemos um movimento novo e o apresentássemos no dia da festa: San-Nin Hitotsu-Mato Za-Sharei de seu nome e que quer dizer literalmente: cerimónia de três atiradores ao mesmo alvo. Lembro-me que no início da prática em que tudo era novidade não me ocorreu outra razão para este tipo de tiro que não fosse motivos escorreitos de ordem útil e pratica; sendo pouco o espaço disponível, um atirador de cada vez e um alvo, ocupariam menos espaço tornando mais fácil a demonstração. Ensaiámos naturalmente várias vezes para que corresse bem não parecendo haver nada de extraordinário, de diferente, em relação aos outros movimentos de conjunto tendo em conta que para nós era tudo novo e igualmente exótico. Lá estava o baixar e o levantar, a marcação do ângulo reto nas mudanças de direção e os oito movimentos do tiro o hassetsu. Havia contudo um primeiro movimento dos arqueiros completamente novo, o cumprimento mútuo formando um triângulo equilátero em posição de quizá de joelhos e de arco e flechas nas mãos, em que as extremidades dos arcos ao juntarem-se no centro configuram um triângulo equilátero (se for bem feito) executando após o gesto da vénia. De uma extraordinária beleza, pela primeira vez, o cumprimento entre praticantes era levado a um nível de consideração mútuo nunca antes executado. No conjunto e na sequência o triangulo também era executado no movimento dos arqueiros na alternância dos tiros, desta vez um triangulo retângulo, as posições eram trocadas, o primeiro passava para último e o último para primeiro, como se houvesse uma intenção deliberada de reunir os diferentes níveis de aperfeiçoamento pessoal e técnico dos executantes e relativizar as graduações. Sendo estudioso da simbólica vieram-me nesses momentos ao espirito a importância do triângulo na formação de grupos de carácter iniciático e essa figura que é o emblema da cavalaria Ocidental e do Graal a “Távola Redonda” em que os cavaleiros se reúnem orientando-se para um centro. Afastei dos meus pensamentos esta relação ciente de que o símbolo é coisa integral e vivida não é coisa mental e sujeita a associações de erudito. Esperei pelo dia da comemoração. Na apresentação e no decurso do movimento aconteceram coisas extraordinárias lembro-me que o estado emocional atingiu níveis de intensidade extremamente altos, não sendo aquilo que normalmente se designa por nervosismo, em nós, instalou-se a convicção que o tiro de cada um era como se fosse o nosso próprio tiro e era também como se a unidade do grupo embora fossem seis flechas no total, tivesse efetuado um único tiro. Pode parecer que existe algum juízo de carácter moral na interrogação do sentido deste movimento mas a sua execução escapa ao conjunto de técnicas e práticas que cada um terá que saber para obter a sua graduação num seminário com a Federação Japonesa de Kyudo. É um exercício á parte onde a cultura do grupo, do dojo é levada ao mais alto grau, na condição dos seus elementos serem capazes de se ultrapassarem e de cultivarem o espírito de grupo, de saberem desenhar o triângulo, de a elevarem a uma relação de fraternidade efetiva. Praticar bem Kyudo sem interrogar o seu misterioso conjunto de movimentos é já muito, mas descobrir o sentido essencial da sua prática é indispensável a um Ocidental tendo em conta o contraste entre as duas de culturas.
Fotografias do encontro do Centro de Artes Orientais, Arriba Fóssil da Costa da Caparica
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